31 de março de 2025

Central fotovoltaica ameaça bosques de carvalhos e sobreiros em Condeixa a Nova

O governo declarou a 10 de Março de 2025 a “imprescindível utilidade pública” de um conjunto de parques solares na região de Ega, no município de Condeixa-a-Nova.

Este projeto devido à sua dimensão, 12,31 hectares, “não está sujeito a procedimento de avaliação de impacte ambiental”. Isto porque com o simplex ambiental, são “excluídos do Regime Jurídico de Avaliação de Impacte Ambiental  os centros eletroprodutores que utilizem como fonte renovável solar…” com uma “área instalada inferior a 15 ha”.

A  Milvoz denunciou este caso, sendo que a notícia tem tido destaque na comunicação social. No despacho governamental é referido que a promotora do projeto, a empresa Anadia Green, S. A., solicitou “autorização para proceder ao abate de 1070 sobreiros (970 sobreiros jovens e 100 sobreiros adultos”. Para compensar este abate são apresentadas medidas de compensação ambiental com a previsão de da “arborização com sobreiro de uma área de 18,49 hectares, plantando um total de 7396 árvores”, no concelho de Marvão, no distrito de Portalegre.

Além dos sobreiros, a Milvoz refere a existência de um “extenso carvalhal de carvalho-português (Quercus faginea), com exemplares dos mais diversos portes” sendo estimada “a existência de mais de 40 mil carvalhos em toda a área.”

Surgem aqui diversas questões:

 Qual o significado da “imprescindível utilidade pública” deste projeto, quando, na realidade, esta “utilidade pública” resulta de relações de oportunidade de compra, venda e aluguer de propriedades entre empresas e proprietários em função de interesses privados.

Serão as medidas de compensação, adequadas para a região? Não é essa a opinião do presidente da Junta de Freguesia de Ega  que discorda do estatuto de relevante interesse público do projeto. “Será mandada abaixo uma área verde” e colocados parques fotovoltaicos “à porta das pessoas”, lamenta Rodolfo Silva, criticando a localização da medida compensatória, com a plantação de mais de 7.000 sobreiros a 180 quilómetros de Condeixa.

O abate destes bosques de carvalhos e sobreiros irá significar que a maior parte do carbono capturado nestes bosques será rapidamente libertado  na atmosfera. Pergunta-se quantos anos irá demorar a pagar esta dívida de carbono com a produção de energia fotovoltaica? Como mero dado indicativo, o ICNF  refere que um carvalhal poderá sequestrar 5,30 toneladas de CO2 por hectare/ano.

Como é que o próprio despacho que permite estes abates, fala em compromissos do “Estado Português no que diz respeito à descarbonização”, e, simultaneamente viabiliza práticas de destruição de florestas autóctones que justamente são locais sequestradores de carbono por excelência?

28 de março de 2025

Caldas da Rainha já tem Regulamento Municipal de Gestão do Arvoredo Urbano

No dia 17 de Março foi publicado em Diário da República o Regulamento Municipal de Gestão do Arvoredo em Meio Urbano do Município das Caldas da Rainha. 

O grupo de trabalho Folhas Erguidas, em parceria com a associação ÁGORA, teve a oportunidade de contribuir no processo de discussão pública deste regulamento. É com satisfação que saudamos este instrumento legal, que poderá contribuir para uma melhor gestão do arvoredo urbano neste município. 

Destacamos o Inventário Municipal do Arvoredo, integrante do regulamento, que reúne informação relativa às 22.566 árvores do concelho, acessíveis ao público,  que constitui uma importante ferramenta para a sua gestão, pois só com informação de qualidade que se poderão tomar boas decisões relativamente às operações necessárias no arvoredo. 

Com base neste inventário o município das Caldas da Rainha estabeleceu a “Rota das 25 árvores emblemáticas em 2025” que integrou a 1ª edição da Festa da Árvore.

Outro aspecto a destacar é a possibilidade de classificação de Arvoredo de Interesse Municipal. Este mecanismo pode ser acionado por qualquer cidadão ou organização.

Para além das Caldas da Rainha já vários municípios publicaram os seus regulamentos, constando a sua maioria da lista disponível na página da Associação Portuguesa Arquitetos Paisagistas (APAP).

26 de março de 2025

Finalmente o Guia de Boas Práticas para a Gestão do Arvoredo Urbano

Em Novembro de 2024 questionávamos por onde andaria o Guia de Boas Práticas para a Gestão do Arvoredo Urbano.

Ora bem, finalmente, o documento foi  publicado. Três anos após a aprovação do Regime Jurídico de Gestão do Arvoredo Urbano, consagrado na lei n.º 59/2021, que estabelecia seis meses para esta publicação.

Com o objetivo de “… fornecer orientação aos responsáveis pela gestão do arvoredo urbano no domínio público municipal e no domínio privado do município e do património arbóreo do Estado... e constituir uma referência para a elaboração dos regulamentos de gestão do arvoredo em meio urbano e dos inventários municipais do arvoredo em meio urbano.”, o guia é destinado a, para além de técnicos, “decisores nas políticas dos espaços verdes”. 

Esperamos poder ver, no dia a dia  das nossas cidades, o resultado do seu contributo na melhoria da relação dos decisores públicos com património arbóreo.

12 de março de 2025

Em Defesa da Floresta Portuguesa - Problemas e Soluções

Com o objetivo de "estimular o debate público sobre os problemas sistémicos da floresta portuguesa, apontando aquelas que nos parecem ser as três grandes prioridades a ter em conta para conseguir uma gestão verdadeiramente sustentável", Faixas Vivas, MUDA e Acréscimo lançaram a Carta aberta Em Defesa da Floresta Portuguesa - Problemas e Soluções.


CARTA ABERTA EM DEFESA DA FLORESTA PORTUGUESA - PROBLEMAS E SOLUÇÕES


À conversão de áreas de floresta em áreas urbanas, turísticas ou industriais, têm vindo a somar-se sucessivas pressões, desde a construção de novas infraestruturas (ex: rede elétrica, autoestradas e barragens), implementação de grandes faixas abertas de corte e gestão de combustível, propagação de grandes incêndios, prática generalizada de gradagem junto às árvores, e o uso e abuso de cortes rasos que, devido à ausência de fiscalização sobre as autorizações de corte, proliferam impunemente perante a lei, inclusivamente dentro das áreas protegidas do Sistema Nacional de Áreas Classificadas (SNAC).

Com esta carta pretendemos estimular o debate público sobre os problemas sistémicos da floresta portuguesa, apontando aquelas que nos parecem ser as três grandes prioridades a ter em conta para conseguir uma gestão verdadeiramente sustentável, explorando quais os fatores que atualmente puxam pela sua degradação, e propondo soluções de fundo.

1 - Fiscalizar, rever a lei e gerir a paisagem

Face aos sucessivos casos de abates abusivos em espaço público e privado, assinalamos a urgência do aumento de meios e poder de fiscalização do ICNF e GNR, a par da revisão da lei de corte (Decreto-Lei nº 31/2020), como passos essenciais para a consolidação de uma verdadeira proteção física e jurídica das árvores e florestas no nosso país.

No que diz respeito às normas aplicáveis às Faixas de Gestão de Combustível (FGC), defendemos a sua revisão e uma consulta pública prévia à aplicação no terreno do novo regulamento (Decreto-Lei nº 82/2021). Apesar de essa aplicação ser apontada para 2025, sociedade civil, associações do setor florestal, ONGA e a academia não foram ouvidas, tendo elas elementos para melhorar as diretrizes de uma forma abrangente e construtiva, neste que é um regulamento estruturante para o desenvolvimento do nosso território.

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2 - Dar novo rumo à produção florestal

A indústria da madeira de pinho estará a consumir anualmente à volta de 4 milhões de m3 de rolaria descascada, sendo mais valorizada a madeira verde de “corte final” (também designado “corte raso”), com valores de mercado entre os 35 a 45€ por tonelada. Deste total, 20% estarão a ser destinados à produção de pellets, 5% diretamente para centrais a biomassa, e os restantes 75% para fabricação de postes e varas tratadas, serração, painéis de madeira e papel de embalagem. 

Olhando para o setor energético vemos que atualmente existem já 23 centrais termoelétricas a biomassa e 26 fábricas de transformação de pellets amplamente distribuídas pelo território, e que estarão a consumir desta madeira. Segundo os dados oficiais, as centrais estarão neste momento a utilizar cerca de 45% de resíduos agrícolas e florestais na sua produção de eletricidade e calor (seja dedicada ou em cogeração), e no consumo doméstico e de serviços esta utilização de resíduos estará já próxima dos 55%, sendo considerada uma fonte de energia renovável. Porém, admitamos que o seu processo de produção e queima não é nem mais limpo nem se baseia numa matéria-prima que tenha a renovação rápida o suficiente para ser verdadeiramente sustentável, e desse ponto de vista é preocupante constatarmos que em 2022 esta fonte chegou a representar 47% do total de energia consumida em Portugal (33% térmica + 14% elétrica). 

Também em 2022, as 6 maiores fábricas de produção de pellets no país (situadas na região Centro, e com uma capacidade total instalada superior a 760 mil ton/ano) exigiram um consumo de 1,4 milhões de toneladas de madeira, da qual 75% de rolaria e apenas 25% de fontes secundárias (ex: sobrantes agrícolas e florestais ou subprodutos de serração). Sendo que, apesar de estas empresas afirmarem que apenas utilizam biomassa residual, a totalidade dos sobrantes estará na realidade a ser utilizada apenas como combustível no processo de secagem da estilha produzida a partir da rolaria e não como matéria-prima para os pellets

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3 - Inverter fatores de degradação

É com base em todo o cenário descrito nos capítulos anteriores, que recebemos com grande consternação as declarações recentes da Sra. Ministra da Energia e Ambiente, Maria da Graça Carvalho, no final da conferência “Portugal Renewables Summit” da APREN[1], afirmando que o seu ministério está neste momento a “preparar novos projetos relacionados com a biomassa, com um grande foco no aproveitamento das ‘limpezas’ das áreas florestais”, “tendo como princípio não ter tarifas garantidas” mas admitindo que em algumas situações irá continuar a “auxiliar, remunerando os serviços que são prestados à sociedade e ecossistemas florestais”, pesando sempre “o benefício que essa central produz em relação à floresta e sua ’limpeza’”. 

A estas juntam-se as declarações do Sr. Diretor-Geral da CBN - Centrais de Biomassa do Norte Lda., Manuel Pitrez de Barros, reforçando numa entrevista que[2]:
- “É urgente promover uma política sustentável para a floresta nacional com a criação de mais centrais de biomassa que, para além de criarem postos de trabalho, promovem a economia local circular, especialmente em zonas rurais”;
- “Com uma estratégia pensada em conjunto com os privados, a devida regulamentação e supervisão, a exploração florestal possa passar dos 0,48% para 1-2% do PIB, ou, contando com as indústrias transformadoras da biomassa, como as celuloses, chegar a mais de 10% do PIB”;
- “70% da faturação das centrais de biomassa reverte totalmente para a economia local, não havendo mais nenhuma fonte de energia, renovável ou não, que tenha um impacto sócio-económico tão significativo”;

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4 - Alinhamento das nossas propostas com estratégias e planos nacionais

Estas propostas visam evidenciar os esforços desenvolvidos por diversos projetos públicos e privados, e como no seu conjunto podem ser úteis para complementar e potenciar os esforços do governo português. Alinhando as suas políticas internas com as melhores práticas e os vários objetivos, estratégias e planos europeus e internacionais, o governo português poderá responder com maior eficácia às necessidades de gestão interna mais urgentes (ex: prevenção de incêndios e cheias, perda de solo fértil e biodiversidade, despovoamento do interior e alta pressão no litoral, e todos os custos financeiros e estruturais que estes fenómenos acarretam para o erário público) ao mesmo tempo que dá o seu contributo para as causas comuns da comunidade internacional e solidifica a sua posição como uma referência na transição para uma bioeconomia limpa e circular. 

Nesse sentido, pensamos que as nossas propostas se enquadram e poderão contribuir de forma significativa para o cumprimento das várias metas com que o país já está comprometido, como:
- Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ONU);
- Década da Restauração dos Ecossistemas 2020-2030 (ONU);
- Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade 2030 (PT);
- Lei Anti-Desflorestação (UE);
- Lei do Restauro da Natureza (UE);
- Plano Nacional de Restauro da Natureza (PT);
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Texto integral e subscrição da carta em Carta aberta